Antecipo que esse texto é uma continuidade do artigo “Cuidado com os falsos especialistas? Uma primeira provocação à hipocrisia do discurso”. Por esse motivo, sugiro sua leitura, antes que o leitor comece a passar o olho nas próximas linhas.
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Vamos lá.
Hoje, só há 2 (dois) caminhos possíveis à obtenção de registro de qualificação de especialista (RQE), quais sejam:
- conclusão de curso de especialização, reconhecido como residência médica, em instituição credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), ou, ainda;
- aprovação em exame de suficiência para obtenção de título de especialista aplicado pela Associação Médica Brasileira (AMB), por intermédio da sociedade (associação) de especialidade médica respectiva.
Assim, por exemplo, somente será reconhecido como médico psiquiatra aquele que:
- tenha concluído curso de especialização, reconhecido como residência médica, credenciado pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) em psiquiatria ou, alternativamente, que;
- tenha sido aprovado em exame de proficiência (prova de título de especialista) aplicado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
De forma simples, um médico que tenha concluído um estágio profissional, com treinamento em serviço e carga horária idênticos à residência médica, não será reconhecido como especialista, mesmo que o estágio tenha sido realizado em instituição credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).
De acordo com as normas do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre especialidade médica, ele não é diferente de um médico que acaba de concluir uma pós-graduação online e assíncrona.
Diante desse cenário, os médicos que não concluíram programas de residência médica somente podem obter o título de especialista em psiquiatria por meio de Exame de Suficiência (Prova de Título de Especialista), aplicado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
E é nesse ponto que retomaremos a história de João, médico promissor, que, apesar de ter feito um curso de especialização em psiquiatria com carga horária e treinamento médico em serviço idênticos à residência médica, não é reconhecido como médico psiquiatra.
Como antecipei no texto anterior, João tentou se inscrever no Exame de Proficiência aplicado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), mas teve sua inscrição indeferida, porque (1) não conseguiu comprovar 6 (seis) anos de atividade prático-profissional e, ainda, porque (2) a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), de forma arbitrária, não credenciou o estágio profissional de João.
Durante a graduação em medicina, João (1) nunca foi informado sobre a importância do registro de qualificação de especialista (RQE) em psiquiatria para o exercício pleno da especialidade; além disso, (2) desconhecia as formas de obtenção do registro de qualificação de especialista (RQE) e, por isso, (3) ignorava os pré-requisitos necessários à inscrição em exames de proficiência, aplicados pelas sociedades de especialidade em colaboração com a Associação Médica Brasileira (AMB).
Aliás, o absoluto desconhecimento da matéria não era exclusividade de João. Seu amigo de graduação, chamado André, passou em todas as residências de cirurgia plástica, mas optou pelo Serviço do Prof. Dr. Ronaldo Pontes que, apesar de entendido como um dos melhores serviços de cirurgia plástica do Brasil, não atribui título de especialista em cirurgia plástica, porque não é formalmente uma residência médica, credenciada junto ao Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).
Pois bem. Vamos avançar.
Logo após ser demitido da clínica na qual trabalhava – depois que Pedro se tornou o responsável técnico (RT) – conseguiu um emprego em uma clínica psiquiatra concorrente, mesmo sem registro de qualificação de especialista (RQE) em psiquiatria.
Não havia dúvida sobre a genialidade de João. Ele era um médico absolutamente vocacionado à saúde mental e, por essa razão, em pouco tempo virou referência na nova clínica.
Após 6 (seis) anos de trabalho de excelência, João teve proposta para se tornar o diretor técnico da instituição médica, assim que tivesse, em mãos, seu registro de qualificação de especialista (RQE).
Assim que a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicou novo edital, João organizou todos os documentos exigidos – inclusive a comprovação dos 6 (seis) anos de exercício na psiquiatria – e fez sua inscrição na prova.
No dia da divulgação do resultado, João ficou surpreso com o indeferimento de sua inscrição. A Comissão justificou o indeferimento da seguinte forma “o candidato não apresentou certidão de nada consta”, já que na certidão de antecedentes éticos apresentada por João constava condenação por publicidade irregular, pelo Conselho Regional de Medicina.
João conseguiu se reinventar e buscar novo caminho dentro da psiquiatra, mas o ambicioso e invejoso Pedro deixou marca indelével em seu histórico profissional.
João respondeu uma sindicância, que, posteriormente, se transformou em um processo ético-profissional (PEP). Ao final, João foi condenado por publicidade irregular, já que seu jaleco fazia menção à psiquiatria e ele não era psiquiatra, de acordo com as regras do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Como a certidão de nada consta é requisito para a inscrição em prova de título, João entrou em depressão, porque jamais poderia se tornar psiquiatra, salvo abandonasse seu emprego e se dedicasse, exclusivamente, durante 2 (dois) anos, a uma “nova” residência médica.
João tinha acabado de ser pai pela segunda vez e sua esposa não trabalhava. Não era viável – e nem razoável – parar sua vida, novamente, e fazer um treinamento idêntico àquele concluído há mais de 6 (seis) anos.
João se fez duas perguntas: (1) será que é legítimo condicionar o deferimento da inscrição à apresentação de certidão de nada consta? Além disso, (2) considerando que a sanção recebida foi de advertência com aviso confidencial, seria possível que o CRM publicizasse uma pena sigilosa?
João levou essas perguntas a um advogado e judicializou a matéria.
Poucos dias depois, João teve notícia que o juiz competente proferiu uma decisão liminar obrigando a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) a deferir sua inscrição no Exame de Suficiência em psiquiatria. A prova vai ser nas próximas semanas. João está animado.
Em tempo: lembram do André? O amigo que concluiu o treinamento em serviço do Dr. Ronaldo Pontes?
Então, ele está respondendo a uma sindicância, também por publicidade irregular, em razão de um carimbo que mencionava cirurgia plástica. Mas sequer foi julgado, ainda.
Mas veja que absurdo, ele foi impedido de fazer a prova da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), porque o CRM-PA emitiu certidão mencionando que está tramitando sindicância em seu desfavor. Em suma, não emitiu certidão de nada consta.
André ficou inconformado. Ele, também, entrou com um processo judicial e vai fazer a prova nos próximos dias.