O processo ético-profissional é o procedimento por meio do qual os Conselhos Regionais de Medicina avaliam se houve violação ao Código de Ética Médica. Para o médico, é um momento delicado: a prática clínica sai do consultório e passa a ser analisada formalmente pelo órgão fiscalizador da profissão. Entender cada etapa, responder dentro dos prazos e preparar uma defesa sólida é fundamental para proteger o exercício profissional e evitar sanções.
Este guia foi elaborado especialmente para médicos, com linguagem objetiva e foco transacional — ou seja, voltado à tomada de decisão sobre como agir, como se defender e quando buscar apoio jurídico especializado.
O que é um Processo Ético-Profissional (PEP)?
O PEP é um processo administrativo regulado pela Resolução CFM nº 2.306/22 . É por meio dele que o CRM pode absolver o médico ou aplicar penalidades disciplinares, caso entenda que houve infração ética. A gradação das punições segue o art. 22 da Lei nº 3.268/57, variando desde advertência confidencial até a cassação do exercício profissional.
Ao contrário do que muitos profissionais imaginam, o processo ético nem sempre culmina em punição. Ele é o rito obrigatório para que o Conselho avalie se a conduta médica violou ou não os princípios éticos que norteiam a profissão.
Como um processo ético começa?
Na maioria dos casos, o processo se inicia com uma denúncia. Ela pode ser apresentada por:
- Pacientes ou familiars;
- Outros medicos;
- Hospitais e clínicas;
- Operadoras de saúde;
- Autoridades públicas;
- Qualquer pessoa com interesse direto no fato.
Só não é aceita a denúncia anônima.
Mas, também, existe a possibilidade do CRM agir de ofício, caso tome conhecimento de potenciais infrações éticas. Porém, isso não significa abertura imediata de processo. Antes, ocorre a etapa preliminar: a investigação sumária.
A sindicância: primeira triagem do CRM
A sindicância é a fase na qual ocorrerá uma investigação preliminar, conduzida por um conselheiro investigador, nomeado pela presidência ou corregedoria do CRM. Nesta fase, o objetivo é responder a uma pergunta simples: existem indícios mínimos de infração ética?
Aqui, o médico deve ser chamado a apresentar uma manifestação preliminar, na qual pode:
- Esclarecer o contexto clínico;
- Apresentar prontuários e documentos;
- Explicar a relação com o paciente;
- Apontar falhas factuais na denúncia;
- Demonstrar ausência de ato ilícito.
Essa manifestação não é considerada defesa formal, mas frequentemente é decisiva. Muitos casos são arquivados nesta etapa, evitando que o médico responda a um processo ético completo.
Ao final, o conselheiro elabora um relatório com duas possibilidades:
- Arquivamento da Sindicância;
- Abertura do Processo Ético-Profissional (PEP).
Início do processo: instauração e citação
Se houver indício mínimo de infração, o CRM instaurará o PEP. Essa é a única fase capaz de gerar punição, aplicando-se o Código de Processo Ético-Profissional – CPEP (Resolução CFM nº 2.306/2022) e a Lei nº 3.268/57.
A primeira formalidade é a citação do médico, que passa a ser oficialmente denunciado. Na citação são descritos:
- Os artigos do Código de Ética supostamente violados;
- O prazo para defesa;
- Documentos e peças iniciais do caso.
A partir da citação, o médico tem 30 dias corridos para apresentar a defesa prévia.
A defesa prévia: a etapa estratégica mais importante
A defesa preliminar é o primeiro ato processual dentro do PEP. Ela equivale à “contestação” no processo civil — é onde o médico pode:
- Levantar nulidades e preliminares;
- Contestar a instauração;
- Discutir prescrição;
- Apresentar provas documentais;
- Indicar até três testemunhas;
- Requerer perícias e diligências.
O CFM reforça, em sua doutrina institucional, que este é o principal momento de defesa, pois muitos argumentos não levantados na defesa prévia podem sofrer preclusão (perda do direito de alegar depois).
Por isso, não é recomendável improvisar. Modelos genéricos ou respostas superficiais podem comprometer o resultado final.
Fase de instrução e Alegações finais
Após a defesa preliminar, o processo entra na instrução, conduzida por um conselheiro instrutor. É nessa fase que são organizadas e analisadas todas as provas:
- Depoimento do medico;
- Oitiva de testemunhas;
- Relatórios e pareceres técnicos;
- Documentos complementares;
- Diligências;
- Manifestações das partes.
O CPEP assegura que o médico pode utilizar todos os meios legais de prova, sempre sob contraditório e ampla defesa.
Após a produção de provas, será aberto prazo para que as partes apresentem suas alegações finais. Esse será o último ato de defesa do médico antes do julgamento do PEP pelo Conselho.
Por fim, o conselheiro instrutor irá elaborar o relatório e o remeter ao plenário do CRM, que realizará o julgamento.
Julgamento no CRM e possíveis decisões
No julgamento, o plenário pode decidir por:
- Absolvição;
- Aplicação de sanção;
- Reconhecimento de prescrição;
- Determinação de diligências adicionais.
Se a decisão for desfavorável ao médico, ainda caberá recurso administrativo ao CFM no prazo de 30 dias corridos.
Quais são as sanções possíveis no Processo Ético-Profissional?
As penalidades seguem o art. 22 da Lei nº 3.268/57. São cinco graus, da mais leve à mais severa:
1. Advertência confidencial em aviso reservado
Sanção branda, não pública, porém registrada na ficha profissional.
2. Censura confidencial em aviso reservado
Mais grave que a advertência, mas ainda não divulgada publicamente.
3. Censura pública em publicação oficial
Aparece em publicações oficiais e pode afetar diretamente a imagem do profissional.
4. Suspensão por até 30 dias
O médico fica proibido de exercer a medicina neste período, com impacto contratual e profissional.
5. Cassação do exercício profissional
Sanção extrema, dependente de aprovação do CFM.
A aplicação depende de fatores como:
- Gravidade do fato;
- Dano causado;
- Antecedentes;
- Reincidência.
A importância de responder às intimações do CRM
É comum que médicos evitem correspondências do CRM por medo ou desgaste emocional. Porém, essa prática é extremamente arriscada.
O art. 17 do Código de Ética Médica considera infração deixar de atender solicitações administrativas, intimações ou notificações, salvo motivo justo. Assim, até testemunhas podem ser investigadas por ausência injustificada.
Portanto:
- Sempre responda ao CRM;
- Atualize seus dados cadastrais;
- Justifique impossibilidades;
- Busque apoio se não entender a intimação.
Ignorar o Conselho transforma problemas simples em casos complexos.
Manifestação preliminar x Defesa preliminar: diferenças essenciais
| Etapa | Objetivo |
| Manifestação preliminar (investigação) | Esclarecer fatos e evitar abertura do PEP |
| Defesa preliminar (PEP) | Contestar instauração e estruturar defesa, |
Ambas exigem estratégia. Tratar qualquer delas como mera formalidade pode prejudicar todo o processo.
Por que buscar apoio jurídico especializado em direito médico?
O PEP possui particularidades técnicas que diferem de processos judiciais comuns:
- Regras próprias;
- Prazos específicos;
- Formalidades do CPEP;
- Compreensão do exercício professional.
Um advogado especializado em direito médico e defesa ética conhece o rito, antecipa problemas e maximiza as chances de arquivamento ou absolvição.
Para o médico, isso significa segurança e menor desgaste emocional.
Conclusão: o PEP não é um inimigo, mas exige atenção
Qualquer médico pode enfrentar um processo ético-profissional ao longo da carreira. O que pode ser determinante para o resultado é a forma como o profissional:
- Responde às intimações;
- Organiza documentos;
- Cumpre prazos;
- Prepara sua defesa.
Ao compreender o funcionamento do PEP e atuar de maneira técnica desde o início, é possível proteger a própria trajetória profissional e manter a relação de confiança com o paciente e com o Conselho.
FAQ — Perguntas frequentes
1. O que acontece se eu não responder uma intimação do CRM?
Ignorar uma intimação pode gerar outra investigação com base no art. 17 do Código de Ética Médica. Mesmo médicos chamados apenas como testemunhas podem ser investigados por ausência injustificada. Além disso, o processo principal segue normalmente, sem sua versão dos fatos, o que é altamente prejudicial.
2. Vale a pena apresentar manifestação preliminar durante a investigação?
Sim. Muitos processos são evitados justamente porque o médico apresenta prontuários, documentos e esclarecimentos adequados ainda na fase investigativa. Uma boa manifestação pode convencer o CRM de que não há indícios suficientes para instaurar o PEP.
3. Preciso de advogado para me defender no CRM?
Não é obrigatório, mas é altamente recomendável. O PEP possui regras próprias e prazos rígidos, e erros na defesa podem causar preclusão. O apoio jurídico especializado reduz riscos e fortalece a estratégia defensiva.
4. Quais provas posso apresentar na defesa preliminar?
Basicamente todas as permitidas em direito administrativo: documentos, prontuários, comunicados internos, testemunhas, pareceres técnicos, laudos, protocolos assistenciais, entre outras. O CPEP assegura às partes todos os meios legais para demonstrar a verdade dos fatos.
5. Se eu for condenado pelo CRM, ainda posso recorrer?
Sim. É possível apresentar recurso ao Conselho Federal de Medicina (CFM) no prazo de 30 dias, contados da intimação da decisão. O CFM pode manter, reformar ou anular a decisão do CRM.
Se você recebeu uma denúncia, citação ou intimação do CRM, não enfrente isso sozinho.
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